segunda-feira, 26 de julho de 2010

À mulher da minha vida

"Não escrevi pra vc, Vó.
Não conseguia. Não devia. Não chorava.
Passados dois anos, dói duplamente não te ter aqui. E passar sob sua janela não me conforta.Nunca estive preparada para essa renúncia de corpos, onde minha alma tenta tocar a sua. Tento encontrar no nosso passado algumas imagens que me atestem que eu te amei tanto quanto você me amou. Que me mostrem o quanto fui importante no seu cotidiano nem tão católico assim.
Talvez hoje quisesse um pouco mais do seu cheiro, de seus cabelos cor de neve, da sua peculiar maneira de encarar a vida. Talvez quisesse me deitar em seu colo e ficar entrelaçada em suas mãos enquanto você me pedia para lavar as minhas ao chegar em casa. Talvez ficasse mais tempo com você. Talvez deixasse você chorar toda a dor do mundo. Talvez algo em mim também não morresse.
Os dias aqui continuam difíceis, trôpegos, atropelantes.
Penso, às vezes, confesso, em quem vai rezar por mim no início da tarde.
Meu telefone não toca mais nos preguiçosos raios da manhã nem nas primeiras horas de escuridão. Ninguém mais se preocupa com minhas saias ou com as toalhinhas do banheiro. Os panos de prato vão ficar velhos, pode apostar. E não terá ninguém aqui para trocá-los. Acho que nunca mais vou querer bolo de laranja. Nem ir à banca de pra comprar figurinha. Não vou ouvir o rádio. E também não mais darei espaço para as discussões políticas. Mas pode deixar que, chegando em casa, limparei os sapatos, colocarei os sabonetes entre as roupas e tentarei zelar pela saúde mental. A física, você sabe, "Ele" sempre dá um jeito.
Tenho pensado demais em você. Tenho lembrado de você e, às vezes, a sinto muito próxima. Sobretudo nesses dias em que o vazio toma conta da porta de entrada.
Sabe, Vó, continuo errando muito. Até bem mais que gostaria. Mas tento, você bem sabe, acertar. Nesse desatino temporário acabei encontrando um bom motivo pra tentar ser uma mocinha mais exemplar. Sei, no entanto, que você não gostaria que eu fosse exemplo pra ninguém. Não esse que todo mundo considera ideal. Me orgulho em saber que trago no sangue um pouco de sua explosão. Andei meio passiva esses dias. Meio triste. Mas já passou, fique tranqüila.
Em meus sonhos peço que você esteja em bom lugar.
Preciso acreditar que exista um lugar...
Preciso saber que um até breve é possível...

9 comentários:

Tati disse...

Às vezes eu escrevo assim, para o meu pai. Costumo dizer que o conto para quem não conheceu. Que o repito, para que ele "viva mais" - se é que isso é possível de fato.

E agora, lendo esse post, veio aquela sensação boa e triste, tensa e densa, de que as coisas não são sempre da maneira como a gente quer, mas que tem o sentimento do tamanho exato. Seu post é isso: tamanho exato do amor que tem gosto de bolo de laranja. Coisa pouca para quem não entende de amor. Afago bom para quem conjulga o amor em várias pessoas.

E é assim, de passinhos leves que deixo meu parênteses do dia: isso aqui é lindo, Carol. Lindo!

dri disse...

Só eu sei o quanto é bom saber que a Alice ainda mora aqui. Tem dias que a gente precisa de uma história intensa pra ter inspiração e continuar a olhar pra frente.

Obrigada por essa nostalgia, obrigada por me fazer lembrar o quanto as pequenas coisas são fundamentais em nossa vida.

Não pense que voltei, na verdade nunca saí daqui.

Marcella Leal disse...

Graças a Deus ainda tenho ambas avós e duas bisavós vivas, tenho que ouvir as exigências de andar com a coluna reta, sentar corretamente, não coma isso que vai engordar, coma aquilo que faz bem para a pele de uma delas, da outra trago na lembrança as broncas com os netos por estarem se estapeando, o gosto da "merenda", o som da risada... mas meu avô, a muito se foi e sinto falta dele, cheguei a fazer uma carta parecida com essa a tempos atrás, deve estar escondida no historico do blog.

Amei aqui...

Beijos

Clarissa Monteagudo disse...

Ontem, dia de Santana e das avós, postei no Facebook: "Hoje é dia das avós. Dia de Santana. Para mim, muitas lembranças: ela sempre me mandava comer maçã fresquinha antes de dormir, tinha uma caixa de jóias com pérolas verdadeiras - a paixão da minha infância - e uma profusão de terços pendurados do lado dela da cama. Ela sempre me fez acreditar que minha alegria de criança poderia durar para sempre. Uma dama de verdade". Entendo sua saudade e seu desabafo, minha amiga.

Carrie disse...

eu já não tenho minhas avós e uma delas eu nem conheci. Mas a vó materna ficou marcada. Ela era tudo pra nossa familia, a vó perfeita...a mãe birrenta que depois de velhinha, virou uma doce mãe que queria agradar a todos os filhos, sempre. A vó perfeita com certeza. É muito dificil se acostumar com a ideia de que alguem tao especial nao estaram mais do nosso lado nessa vida, mas conforta saber que estará nas lembranças, no pensamento, nas boas historias pra contar praqueles q nao a conhecerem e pra sempre em meu coração.

bjs bjs

carrie

► JOTA ENE ◄ disse...

ººº
Passei p'ra desejar um óptimo domingo e prepara lá o chá... de menta ou preto.

Bjooooooo

Anônimo disse...

incrivel como me fez pensar na minha vó... em como às me pego sem dar mto valor...que horrivel...
bom tê-la de volta Alice! Me prepare um chá de flores e uma almofada macia!

Fernando Rocha disse...

Gosto de textos que partem de experiências pessoais consegem atingir a amplidão do belo fora do eu.
Por uma incrível coincidência, recentemente, escrevi um poema o qual postei no meu blog, inspirado numa experiência vivida com minha vó.

Thaís disse...

Me acabei de chorar. Lindo, lindo, lindo .... e mina avó ainda está viva, embora eu sinta a iminência de perdê-la .....