Quando tirei o travesseiro de cima dos olhos, já não enxergava muita coisa. Via apenas vultos, sombras. Achei que pudesse ser consequência das dores de cabeça, que a essa altura não passavam nem com morfina. Pedi ao meu marido que me levasse até o banheiro. No espelho não me enxerguei.Disse com medo: estou ficando cega. A partir daí,os médicos que desconheciam odiagnóstico da minha doença, ficaram feitos baratas tontas. Me lembro de ouvir um corre-corre no quarto. Ninguém se entendia, eu estava consciente o tempo inteiro. Apesar das dores e dos braços quase paralisados, peguei o celular, liguei para um neurologista do Rio de Janeiro e pedi que me atendesse. Eu mesma pedi minha alta. Se ficasse mais um dia ali, poderia ser fatal.
Me lembro que desci a serra de Teresópolis rezando baixinho. E a mesma voz que me dizia há um mês para procurar um neurologista, me dizia agora para ter calma. Quando cheguei a outro hospital não conseguia me mexer ou falar. meus braços estavam tão roxos, com tantas agulhadas que os enfermeiros cogitaram procurar uma veia no pescoço. Ainda fiz piada dizendo que não queria parecer uma peneira. Depois disso, vários exames se sucederam. Podia ser qq coisa àquela altura. O diagnóstico foi de hipertensãoi intracraniana benigna. O que já dá um certo alívio a última palavra. Fiquei cega porque o líquido fabricado pela espinha não passava por detedrminada veia. O peso fez com que o nervo optico fosse esfacelado, amassado. Tinham de retirar esse liquido todo. Punção lombar. Fizeram errado. Outra. E em nenhum momento me questionava pq eu. Mas sim, pra que?
Algum motivo existia para eu ter passado por aquilo. Ainda não havia sido descoberta a causa. Mas, quando já esperava alta, uma boa alma decidiu olhar mais uma vez minha ressonãncia craniana. Trombose cerebral. Aos 31 anos, tive um AVC. A causa mais provável: combinação explosiva de anticoncepcional e obesidade. Um caso raro, pois não atingiu o córtex cerebral. De oito casos no mundo, o meu até então era o único nesse país. Pensaram em publicar em revistas científicas, enfim. Poderia ter sido na Forbes, como uma das milionárias dop planeta...
A visão foi retornando, mas não possuo visão periférica mais. Ou seja, ando e esbarro em tudo, mas sei pedir desculpas. Não vejo nada abaixo do meu nariz, mas em compensação enxergo td que está acima. Não vejo quem está do lado. Se alguém vier me dar um tapa, por exemplo, será mt bem sucedido. Pra paquerar é uma tormenta. Os caras se sentem rejeitados.
Pouco sobrou da vida daquela Carolina que saiu do hospital no dia 2 de setembro de 2003. Planos foram jogados pelo ralo, sonhos desfeitos, o casamento não resistiu. Mas euencarei. Jamais me virei contra este ou aquele santo. Retomei minha vida no Rio, voltei ao jornalismo, acredito até melhor do que antes. Tô descobrindo quais eram os própósitos de tudo isso. Ainda dou muita cabeçada, deveria estar me cuidando mais, me preservando mais. O porém é que vc descobre numa situação dessas que a vida é aquela preciosa próxima hora que vc tem pela frente. Ao acordar, pode não enxergar mais nada. Ainda me pego olhando para o teto assim que abro os olhos. É a maneira de saber que está tudo bem. Quem me vê de fora, jamais imaginaria pelo que passei. Talvez o meu bom humor e a disponibilidade que eu tenho para a vida me façam rir de muitas coisas. Não posso jogar pingue-ponge, voley, dirigir, andar de bicicleta. Ás vezes não enxergo meu sobrinho e dou-lhe um esbarrão. Minha coxa sempre tem um roxo. Mas posso dizer que sou feliz. Muito. Posso enxergar tudo o que está à minha frente. E me basta ver que cada dia ainda pode ser uma agradável surpresa.
Um comentário:
Por ironia do destino, aprendi de uma forma pouco ortodoxa q pessoas com alguma deficiência física, desenvolve por sua vez, outras habilidades ...
Apesar de perder sua visão periférica e de algumas limitações q passou a ter, seu desejo de viver a vida em sua essência e talento ficaram ainda mais apurados. Quero te lembrar q enxergar as pessoas q estão a sua frente e acima, vale muito mais a pena que ver as q se limitam a ficar do lado ou abaixo do seu raio de visão.
Como diria o mais poderoso dono de superpoderes...PRO ALTO E AVANTE!
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