segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Sua menina

Eu comprei um sonho hoje, vô. Pra lembrar de tardes com café e manteiga na sua mesa da cozinha. Daquele seu pijaminha azul, os chinelos Franciscano que jamais poderia calçar. Mas calçava, você bem sabe. E vesti aquele seu suéter cinza, quentinho, pra me sentir envolvida por seu cheiro e sua lembrança. E me vi sorrindo de seu sorriso branco quando me via chegar pela janela, andando na ponte, anunciando minha proximidade pela casa. Lembrei dos seus cotovelos ásperos de observar a vida do quarto andar. Nos seus olhos marejados via os melhores dias da minha vida. E de quanto o conhecia em seus silêncios, sua delicadeza e discrição. Um dia pra rever as madrugadas que invariavelmente terminavam de manhã, quando vc dava de comer aos canários. De sua elegância ao ponderar sobre qualquer assunto. O seu deixa isso pra lá para pôr fim a qualquer possibilidade de descontentamento. Queria ter podido conviver mais com você e não me sentir tão sozinha como estou agora. O tempo inteiro fostes meu pai do coração, da alma e da realização. Cada vez que ouço um boa noite, me recordo de você na cadeira recostado só esperando pelo dia seguinte. Seria bom que estivesse presente de novo. Tua ausência é sempre tão estranha, mesmo depois da maturidade. Não há como ver gomalina na farmácia e não o testemunhar se penteando no banheiro. Pras saídas corriqueiras atrás do cotidiano de sua cidadezinha caipira, amada e perpetuada com seu sobrenome em logradouro. Da sua fé inabalável, de Santa Rita de Cássia. E ouvi, sabe, Ray Charles. E chorei, claro. Você sabe que não resisto ao enredo dramático da perda. O arroz com feijão ainda tem aquele gosto da sua existência. E nunca mais comi goiaba em calda. Ninguém gosta além de mim e você. E comer sozinha, vô, é muito chato. É pra quem tem pressa ou nenhum apreço por certas iguarias como você teve. Do seu cheiro é só fechar os olhos que me sobe às narinas. Do abraço quente e confortável, protetor de todo e qualquer mal que o mundo quisesse me fazer. To carente do orgulho qe sentia ao me ver, ao saber dos meus feitos e efeitos. Ninguém me assiste mais. Alguns até me lêem. Mas, sabe, nunca mais tee graça aparecer na tevê. Como o presidene do meu fã-clube voou pra perto de Deus, decidi me aposentar. E agora, meio anônima por aí, procuro seus conselhos, seus remédios e sua aceitação. Ouvi o pio de um pássaro e tive certeza de que era você a me visitar, pra me trazer sua benção e seu amor, grande o bastante pra encher meu coração de coragem e afeto. Te amo, Ano Domini. Sempre... Até que o infinito se torne nosso universo outra vez.


3 comentários:

S. H. disse...

Eu até poderia fazer um comentário mais produtivo se eu tivesse avôs, mas como não os tenhos e não os tive, eu não sei o que dizer. :}
Mas minha vó... aaah! Minha vó!
É a melhor pessoa do mundo. Era, aliás.
Ficou um vazio que nunca será preenchido.

meus instantes e momentos disse...

voltando ao seu blog, gosto daqui.
Tenha uma boa semana. Apareça
Maurizio

Anônimo disse...

Coisa mais liiindaaaaa!!
Até chorei!!!
Vc merece um livro, minha querida!!
Desculpe a ausencia!!
Bjs.