Eu comprei um sonho hoje, vô. Pra lembrar de tardes com café e manteiga na sua mesa da cozinha. Daquele seu pijaminha azul, os chinelos Franciscano que jamais poderia calçar. Mas calçava, você bem sabe. E vesti aquele seu suéter cinza, quentinho, pra me sentir envolvida por seu cheiro e sua lembrança. E me vi sorrindo de seu sorriso branco quando me via chegar pela janela, andando na ponte, anunciando minha proximidade pela casa. Lembrei dos seus cotovelos ásperos de observar a vida do quarto andar. Nos seus olhos marejados via os melhores dias da minha vida. E de quanto o conhecia em seus silêncios, sua delicadeza e discrição. Um dia pra rever as madrugadas que invariavelmente terminavam de manhã, quando vc dava de comer aos canários. De sua elegância ao ponderar sobre qualquer assunto. O seu deixa isso pra lá para pôr fim a qualquer possibilidade de descontentamento. Queria ter podido conviver mais com você e não me sentir tão sozinha como estou agora. O tempo inteiro fostes meu pai do coração, da alma e da realização. Cada vez que ouço um boa noite, me recordo de você na cadeira recostado só esperando pelo dia seguinte. Seria bom que estivesse presente de novo. Tua ausência é sempre tão estranha, mesmo depois da maturidade. Não há como ver gomalina na farmácia e não o testemunhar se penteando no banheiro. Pras saídas corriqueiras atrás do cotidiano de sua cidadezinha caipira, amada e perpetuada com seu sobrenome em logradouro. Da sua fé inabalável, de Santa Rita de Cássia. E ouvi, sabe, Ray Charles. E chorei, claro. Você sabe que não resisto ao enredo dramático da perda. O arroz com feijão ainda tem aquele gosto da sua existência. E nunca mais comi goiaba em calda. Ninguém gosta além de mim e você. E comer sozinha, vô, é muito chato. É pra quem tem pressa ou nenhum apreço por certas iguarias como você teve. Do seu cheiro é só fechar os olhos que me sobe às narinas. Do abraço quente e confortável, protetor de todo e qualquer mal que o mundo quisesse me fazer. To carente do orgulho qe sentia ao me ver, ao saber dos meus feitos e efeitos. Ninguém me assiste mais. Alguns até me lêem. Mas, sabe, nunca mais tee graça aparecer na tevê. Como o presidene do meu fã-clube voou pra perto de Deus, decidi me aposentar. E agora, meio anônima por aí, procuro seus conselhos, seus remédios e sua aceitação. Ouvi o pio de um pássaro e tive certeza de que era você a me visitar, pra me trazer sua benção e seu amor, grande o bastante pra encher meu coração de coragem e afeto. Te amo, Ano Domini. Sempre... Até que o infinito se torne nosso universo outra vez.
3 comentários:
Eu até poderia fazer um comentário mais produtivo se eu tivesse avôs, mas como não os tenhos e não os tive, eu não sei o que dizer. :}
Mas minha vó... aaah! Minha vó!
É a melhor pessoa do mundo. Era, aliás.
Ficou um vazio que nunca será preenchido.
voltando ao seu blog, gosto daqui.
Tenha uma boa semana. Apareça
Maurizio
Coisa mais liiindaaaaa!!
Até chorei!!!
Vc merece um livro, minha querida!!
Desculpe a ausencia!!
Bjs.
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