domingo, 20 de julho de 2008

Contra a corrente

"Palavras desaparecem
Palavras que já foram tão claras
Apenas ecos passando pela noite"

Sabe aquela máxima de que pra estar vivo é necessário plantar um livro, escrever um filho e ter uma árvore??
Ah, tá. O contrário, UÓrever...
A questão é que as cobranças para que o ser humano dê certo são sempre superlativas. Existe àquele todo com seus códigos e convenções. Pra que vc seja aceito pelos membros do clube não pode ter nenhuma bola preta na caçapa. Se você foge às regras muito provavelmente tem sobre si um certo olhar de reprovação. Ou de pena, o que é bem pior.

Nunca quis gerar um filho.
Algo que talvez tenha ficado mal resolvido lá atrás na infância e que em algum breve tempo de terapia não submergiu. Em grande parte das vezes sou vista como uma aberração por acreditar que exista vida possível além da maternidade. Mães me cercam contando das fraldas cheias de cocô amarelinho, verdinho, durinho, molinho. Do catarro que ficou verde, amarelo, branco. de quantas vezes o pimpolho acordou no meio da madrugada. Do preço da fralda, do leite, da chupeta.
Sinceramente, não tenho o menor talento pra isso.
Em contrapartida, sou a tia mais incrível que já conheci.
Não faço a linha tatibitai, sou permissiva, conto história, entro no mundo da fantasia dos pequeninos e já me transformei em super-heroína pro meu sobrinho: a super-tiacalina!
Meu amor por ele é incondicional. Saltaria de um abismo para salvá-lo de qq desventura. Daria meu braço se preciso fosse. Adoro dormir agarrada a ele, quando estou meio pra baixo (é, acontece), me esparramo em seu colo e a seu lado e to pronta pra outra. Esse querer bem, esse gostar é tão mão dupla e tão franco. E o melhor, não tenho responsabilidade em educá-lo, ou criá-lo. Mas apenas em amá-lo.
Alguns podem acreditar que isso é correr do pau. Uma fuga do mundo adulto. Afinal, o que seríamos se não fossemos meros procriadores.
Seríamos felizes.
Cada qual a sua maneira. Sem a necessidade de ser o que não podemos ser ou não queremos ser.
Vi um filme esta semana que me remeteu a essa reflexão. Em Flores partidas", o genial Bill Murray é Don, um cinquentão que passou por inúmeros relacionamentos sem se envolver de verdade em qualquer um deles. Logo no início da história, Don leva o trocentésimo pé na bunda (na verdade articulado insconscientemente por ele próprio) e recebe uma carta sem remetente, sem endereço dizendo que ele tem um filho de 19 anos. Don não parece abalado com a nova realidade e conta ao amigo Winston (casado e pai de cinco filhos) a tal novidade como se diussesse que o leite aumentou mais uma vez. Com mania de Sherlok Holmes, Winston faz um CSI na vida das namoradas de Don há 20 anos e faz com que o amigo, sempre meio letárgico, embarque numa viagem ao seu passado. Não vou contar aqui o fim ou os desdobramentos, mas quem viu sabe que Don passou a ter uma perspectiva de vida que não era a que ele queria, mas passa a acreditar que encontrar um filho é legal. E me pus a pensar em quantos de nós não faz o mesmo, seja em relação a filhos, árvores, livros e relacionamentos. Nem sempre vc quer seguir a trilha lógica, mas acaba percorrendo caminhos que justificam sua existência diante de costumes e pré-conceitos.

"Eu tento ver além do disfarce
Mas as nuvens estavam lá
Cobrindo o sol "
Quem somos se não plantarmos um filho, escrevermos uma árvore ou tivermos um livro?


2 comentários:

rbr disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
rbr disse...

exato!!! é oq eu penso! não sobre filhos exatamente mas sobre vida, pós e pré. enfim, foi uma crise profissional que me despertou pra isso e quando ela passou as dúvidas continuaram!
como pode: imaginarmos o ideal, acreditarmos nele, inventarmos justificativas plausíveis e ainda excluir quem não concorda!

quesito indignação: nota 10!

^^

ps: ótimos textos!